terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Estúpido jardim.

Nunca mais voltam as cores quentes. Os vestidos bonitos, os chinelos numa mão, o gelado na outra, a areia sob os pés. Os baloiços, os bancos de jardim... Onde me sentei sozinha, naquele entardecer escuro e molhado, frio, ríspido e sem sentido. Não conseguia sentir mais do que a ganga ensopada com gotas esquecidas pelo vento no banco daquele jardim que de jardim nada tinha, só bancos e erva a tentarem ser bonitos no meio de uma cidade apressada e poluída. Quase preferi correr para a estrada vizinha, fazer parar os carros, perguntar as horas em jeito de cumprimento e tentar depois perceber o porquê de não olharem com olhos de ver para as suas vidas, fazer com que não deixassem que a vida se transformasse num pesadelo verdadeiro. Mas não, fiquei quieta, tremente com aquela temperatura, não com a do ar, mas com a minha, a que tinha ficado abaixo da garganta quando perdi a voz de tanto gritar o que não sentia. Mais uma vez, tinha perdido as estribeiras, o juízo, a racionalidade, a força, a vontade... Mais uma vez, desejei não estar ali, fugi, chorei sem pudor em frente de gente, gente que voltava para casa, gente que comprava pão, gente que passeava o animal. Corri para aquele jardim, no meio de estradas encruzilhadas, que de jardim nada tinha. Só queria lembrar-me do amor que já sentira, daquilo que já fora e que eu (?) tinha transformado em pesadelo. Não conseguia pensar, não conseguia andar em linha recta, as lágrimas turvavam-me a raiva que sentia, senti-me pequena, muito pequena. Mais uma vez, a minha corrida só me levou àquele jardim vazio de primavera, não consegui chegar ao sítio mais perto que estava mesmo ao meu lado, sentado a dois palmos de ar pesado, no meio de uma conversa queixosa que virou gritos e choros impotentes.
Mas naquele momento, no banco ensopado, só conseguia acreditar que aquele dia não era eu, eu não era assim, não era aquele bicho selvagem que não consegue expressar o que sente, que deseja lutar e matar a presa só porque não falam a mesma língua ou estão em pontos diferentes da cadeia. Naquele momento, a vontade de desistir era como quem diz, porque já não havia nada para desistir, já não havia algo por que lutar, não havia o porque gosto de ti. O mundo tornou-se insano, não conseguia discernir o bem do mal, o exagero da realidade, o que dizia sentir do que me corria verdadeiramente no sangue. Mais uma vez, não consegui lidar com as minhas palavras, mal entendidas, e as que ouvia só me faziam rir, de raiva, de incredulidade, de não estou a ouvir isto. Nunca me tinha sentido tão desconectada de alguém. Nunca me tinha sentido tão impotente em relação às palavras.

Quero cores quentes, quero o sol a invadir-me a íris, a cegar-me de vida, de razão. Preciso de algo que naturalmente me aqueça a força de acreditar em mim e nas outras pessoas. Quero voltar a ser ingénua e inocente. Olhar para um jardim que de jardim nada tenha e não sentir memórias a atazanar-me os minutos que podiam ser de contemplação apenas. Tenho saudades de olhar para a beleza  das coisas e não pensar nem ver ninguém. Para além de mim.



VLC plays: Paramore - Ignorance

6 comentários:

Alguém... disse...

Adorei o texto :) **

Pieces disse...

Nem sequer vou comentar o texto, porque a mim pouco pertence, quanto à escrita é exactamente como tu a costumas fazer, fantástica! Seja lá como for, esta coisa está muito muito perto de um velório! Eu sei que exagero no aparvalhamento, mas tu...
Que é isto?
Só sabes escrever tristeza e amores e desamores e coisas que de uma forma ou de outra levam ao choro intenso?
Eras rapariga para escrever umas coisas bem mais aparvalhadas, mas que te tragam um bocadinho mais dessa tão desejada felicidade.
Mais não seja, quando as voltas a ler, consegues sorrir de tão parvo raciocínio :D (falo por experiência própria)


Dá cor a esta coisa!

Pieces disse...

Ah e se metade do que escreveste é verdade, tenho-te a dizer que tens de mudar de dealer!

Anónimo disse...

O jardim está no mesmo sítio que estava antes, o sol está no mesmo sítio que estava antes, teu coração brilha e ama como amava antes.

Tuas lágrimas limpam teus olhos, olhos que vêem jardins, jardins que agora não vês. Agradece lágrimas que podem deixar espaço para um jardim renascer.

Daniela Gandra disse...

Concordo plenamente, mal posso esperar pelo Verão e todos os seus afluentes. O Inverno já irrita, que venha o Verão e a sua brisa de alegria contagiante!
Oh, muito obrigada! :)
Segui também. :)

Dário Pinto disse...

Obrigado pelo comentário, escrever acho que não escrevo, "sarabisco" qualquer coisa.

Mas um sincero obrigado. Estou fascinado e ainda não li mais que seis posts.


Beijo.