Nunca mais voltam as cores quentes. Os vestidos bonitos, os chinelos numa mão, o gelado na outra, a areia sob os pés. Os baloiços, os bancos de jardim... Onde me sentei sozinha, naquele entardecer escuro e molhado, frio, ríspido e sem sentido. Não conseguia sentir mais do que a ganga ensopada com gotas esquecidas pelo vento no banco daquele jardim que de jardim nada tinha, só bancos e erva a tentarem ser bonitos no meio de uma cidade apressada e poluída. Quase preferi correr para a estrada vizinha, fazer parar os carros, perguntar as horas em jeito de cumprimento e tentar depois perceber o porquê de não olharem com olhos de ver para as suas vidas, fazer com que não deixassem que a vida se transformasse num pesadelo verdadeiro. Mas não, fiquei quieta, tremente com aquela temperatura, não com a do ar, mas com a minha, a que tinha ficado abaixo da garganta quando perdi a voz de tanto gritar o que não sentia. Mais uma vez, tinha perdido as estribeiras, o juízo, a racionalidade, a força, a vontade... Mais uma vez, desejei não estar ali, fugi, chorei sem pudor em frente de gente, gente que voltava para casa, gente que comprava pão, gente que passeava o animal. Corri para aquele jardim, no meio de estradas encruzilhadas, que de jardim nada tinha. Só queria lembrar-me do amor que já sentira, daquilo que já fora e que eu (?) tinha transformado em pesadelo. Não conseguia pensar, não conseguia andar em linha recta, as lágrimas turvavam-me a raiva que sentia, senti-me pequena, muito pequena. Mais uma vez, a minha corrida só me levou àquele jardim vazio de primavera, não consegui chegar ao sítio mais perto que estava mesmo ao meu lado, sentado a dois palmos de ar pesado, no meio de uma conversa queixosa que virou gritos e choros impotentes.
Mas naquele momento, no banco ensopado, só conseguia acreditar que aquele dia não era eu, eu não era assim, não era aquele bicho selvagem que não consegue expressar o que sente, que deseja lutar e matar a presa só porque não falam a mesma língua ou estão em pontos diferentes da cadeia. Naquele momento, a vontade de desistir era como quem diz, porque já não havia nada para desistir, já não havia algo por que lutar, não havia o porque gosto de ti. O mundo tornou-se insano, não conseguia discernir o bem do mal, o exagero da realidade, o que dizia sentir do que me corria verdadeiramente no sangue. Mais uma vez, não consegui lidar com as minhas palavras, mal entendidas, e as que ouvia só me faziam rir, de raiva, de incredulidade, de não estou a ouvir isto. Nunca me tinha sentido tão desconectada de alguém. Nunca me tinha sentido tão impotente em relação às palavras.
Quero cores quentes, quero o sol a invadir-me a íris, a cegar-me de vida, de razão. Preciso de algo que naturalmente me aqueça a força de acreditar em mim e nas outras pessoas. Quero voltar a ser ingénua e inocente. Olhar para um jardim que de jardim nada tenha e não sentir memórias a atazanar-me os minutos que podiam ser de contemplação apenas. Tenho saudades de olhar para a beleza das coisas e não pensar nem ver ninguém. Para além de mim.
VLC plays: Paramore - Ignorance