As ruas vestidas de pernas depiladas e ombros descobertos ainda não voltaram. A chuva demora-se em cada nuvem da cidade, pintando os dias de um gris depressivo. Junho já abre o olho e procura os chinelos aos pés da cama. Passou mais um ano e está na hora de voltar. Assim como tu, que aproveitaste o Inverno para voltar para o meu colo. Não trouxeste a chuva que encheu esta estação, mas voltaste a alimentar as borboletas primaveris que atormentam o meu estômago. Não acendeste a minha lareira no tempo natalício, mas conseguiste (re)acender-me a chama que enfrentava um rescaldo pouco promissor. Não te vestiste de Pai Natal nem me encheste a casa de presentes, eu própria te comprei numa galeria qualquer e te enviei para a minha morada.
O meu calor, esse, foste tu que o emanaste ao longo dos meus lençóis, nas noites febris de chuva exaltada. Tive-te a dormir nos meus braços cada noite que passaste longe de mim... E hoje, estás aqui. Numa derrocada de incertezas, deixei que entrasses por mim adentro e inundasses o meu corpo com a tua peçonha, o teu mel que eu tanto procurei e farejei em cada recanto dos meus dias. Quis-te tanto, mais que à própria vida. E agora, depois de cá estares, pergunto-me se algum dia te terei verdadeiramente. Será que sim? Não sei, mas chuva e granizo em fins de Maio também me parecia improvável... até há poucas horas.