quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Maracujá.

Pirueta e meia na vida, desde a chegada. A bússola do destino voltou a girar. O Marquês não é o mesmo e o Egas está mais imponente. As escadas do Chico holandês estão mais curtas... ou assim parecem.
Naquela noite, contavam-se os celsius pelos dedos e a Lua, majestosa, jogava às escondidas com as nuvens. Quase conseguiu distinguir naquele olhar uma poeira qualquer, talvez um fumo. Um rescaldo de incêndio ou, somente, uma chama apagada.
O vento soprava rancorosamente, enquanto ela, muda e queda, se regozijava por mais um falhanço. Estava incrivelmente eufórica por dentro. Como era saudável ter um instinto assim! Aquele sexto sentido funcionava sempre. Pelo contrário, a razão e inteligência que lhe eram mais ou menos características costumavam ficar fora desse contexto.
Mas não sentia nenhuma dor na ferida reaberta. Já não sangrava, nem mesmo se lhe aqueciam gotas nos olhos. Naufrágios naquela ilha foram muitos no reportório. Deixava-se levar sempre pela mesma onda de sentimentos, não olhando às tempestades marítimas que ainda aconteciam no seu profundo. Estava habituada ao oceano de maravilhas furtuito. Apesar da noite fria, sorria com doçura. Sabia que era a última vez que estaria por ali com aquela visão do mundo. Sabia que as escadas nunca seriam tão compridas como se mostravam à luz daquele luar envergonhado. Aquele olhar deixaria um rasto no asfalto do seu íntimo, de tão fugaz convivência... Mas plena. O sotaque com sabor a fruta tropical, o macio dos polegares na sua face escarlate, palavras tão ternas como arrogantes e displicentes.
No meio do nada, sentiu-se bem. Não feliz nem descontente, apenas bem. Sempre amou a noite luarenta em Verões com boa companhia. Na verdade, já não era Verão e a companhia não passava de lembrança. Restava o Santos intacto, adormecido e escuro. Janelas corridas de gentes sempre vistas ali no bairro. Alfacinhas de gema, já dizia o outro. E o banco de madeira subitamente sozinho. Amanhã é outro dia.
Fechou a porta atrás de si e lembrou o dia 15 das férias de Verão. Já perdida em pensamentos soltos, percebeu o porquê da sua serenidade. Foi bom.

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